quarta-feira, 9 de julho de 2014

Histórias Estranhas #18: Abrigo 975

Podemos nos deparar com histórias bizarras e estranhas mundo a fora.
Na história de hoje veremos o que uma mistura de investigação em cidadãos russos, somado com a crise nuclear podem fazer com a cabeça de um agente da CIA, na visão de sua filha.


Abrigo 975

30 de outubro de 1962.
Nosso futuro – símbolo nuclear
Por Dubiousdugong, 3 de abril de 2003.
Estive presa aqui em baixo por dias.
Sem comida, sem água. Meus pais estão mortos. Não sei que tipo de pandemônio e pragas horríveis estão acontecendo no mundo lá em cima. Nunca saberei. Estou escrevendo isso sob uma lâmpada que está queimando. Assim que esse bulbo de luz incandescente se extinguir, ficarei só.
Serei deixado para morrer sozinha.
Deixe que eu me apresente. Meu nome é Natalia Flemingbrook, tenho 14 anos de idade. Meu pai era um agente americano da CIA e minha mãe era uma imigrante fugindo da USSR. Ele conheceu ela numa missão disfarçado. Ela era uma mulher simples, desejando que ela pudesse escapar da Cortina de Ferro. Ele coneguiu ajudá-la e a trouxe para os Estados Unidos disfarçada. Nós vivíamos como uma família pacifica, mas só por um tempo.
Assim que a tensão entre a América e a terra natal começaram a crescer, minha mãe passou por uma investigação. Russos assim como ela – cidadão ou não – estavam sendo investigados sobre a pressuposição de serem “espiões”. As coisas ficaram piores para minha família. A carreira do papai estava comprometida, pois para a CIA, ele estava literalmente dormindo com o inimigo.
Recentemente, Cuba esteve apontando seus mísseis para as terras americanas. As tensões estavam no limite. Nossa cidade chegou a ter uma broca que cavava lugares para se proteger da radiação. Numa dessas escavações diárias, meu pai pegou umas malas prontas e mandou que fugíssemos com ele. Ele não acreditava que era uma simples broca. Nem a mamãe e nem eu acreditávamos.
Ele pensou que era o fim.
Meu pai nos levou até um dos muitos abrigos nucleares do governo. Ele recebeu a combinação desse abrigo em particular. Esse abrigo era grande, mais ou menos do tamanho de uma sala normal com uma cozinha junto. Ainda lembro seu nome. Estava escrito no lado de fora da porta.
Abrigo 975.
Tudo dentro daquela “casa” parecia quase novo. Não tinham mexido em nada. Lampadas soltas produziam luz o suficiente para quartos apertados. Latas de comida não perecível ocupavam as prateleiras, enquanto geradores, gasolina e lâmpadas de luz ultravioleta cobriam as paredes. Uma TV no canto da sala, mostrava em loop um filme sobre abrigos nucleares. Sem precisar dizer nada, meu pai pegou o endereço de um lugar que pudesse suprir nossas necessidades (ou algum lugar que supostamente pudesse fazer isso, pelo menos).
Bem no momento que amos para a porta, meu pai trancou a porta que estava voltada para o extremo oposto. Tinham três portas, a primeira (que ele fechou), a segunda e a terceira. Por que uma terceira? Era um último recurso. Apenas no caso de a vida biológica fosse erradicada totalmente pela radiação, deveríamos hermeticamente sela-lá. Mas, eu realmente não vi propósito para essa terceira porta.
Se a vida estivesse tão mal assim, nós realmente íamos querer viver pra ver isso?
Essa e muitas outras perguntas passavam pela minha cabeça, enquanto explorava o novo ambiente que íamos ficar. Minha mãe estava muito ansiosa para sair daqui. Ela antecipou que ficaríamos por lá apenas por dois, no máximo três dias. Mamãe perguntava ao papai o quanto tempo nós ficaríamos por lá, mesmo assim ele sempre manteve postura sobre o assunto todo. Ele continuava repetindo muitas vezes que não podia revelar os detalhes por “motivos de segurança”.
Quando todos tínhamos nos acomodado, papai usou o telefone de dentro do abrigo para ligar a uns oficiais do governo. Ele perguntou sobre o estado do mundo ao lado de fora. As perguntas que ele fez eram bem aguçadas e especificas. Supus que elas eram importantes. Como se o buraco fosse algo a mais que rotina. Como se tivesse ocorrido um incidente nuclear, para começar.
Ou se essa “viagem” fosse apenas resultado de pura paranoia.
Assim que ele desligou o telefone, foi nos ajudar a abrir e tirar as coisas de dentro das malas. Estas que ele nos fez trazer estavam cheias de itens para o banheiro. Sabonetes, pastas de dente, e escovas de dente, e até itens para escovar o cabelo estavam todos ordenados em compartimentos organizadores. Mamãe e eu ficamos preocupados com isso, ela mais que eu. A forma meticulosa que o meu pai guardou esses itens sugeria que ele planejava uma estadia de longo prazo. Minha mãe perguntou preocupada quando que sairíamos de lá. Ele respondeu secamente a ela que iamos ficar lá pela noite. Ela permaneceu calma. Uma noite naquilo e estaríamos de volta em casa. Esse era o plano e foi isso que pensamos.
Feijões e água satisfizeram a janta. Mamãe e papai ficaram praticamente quietos o tempo todo. Minha mãe estavam maluca de preocupação e meu pai estava simplesmente maluco. Telefonemas estavam ficando cada vez pior. O governo tinha dado a ele a liberação para voltar a um bom tempo, mas ele não queria consentir. Ele continuava dizendo que “não era seguro”. Mamãe descobriu a verdadeira razão da atitude irracional e série de decisões, o estado de cidadã dela. Eu tinha suspeitado principalmente disso, mas papai comprovava minhas suspeitas a cada coisa que ele dizia e fazia. Nosso abrigo ganhou uma sentimento fraco de lar pela hora de irmos dormir. Mamãe e eu jogamos cartas e escutamos o rádio enquanto papai, bem nervoso, registrava rapidamente algumas notas em seu caderno do governo. Era mais ou menos 11 da noite quando fomos nos deitar. Conforme eu me rastejava debaixo dos meus lencóis e dava um beijo de boa noite em minha mãe, pensei sobre a situação atual. Estava preocupada com meu pai. Ele ia ficar bem? Ele ia continuar sendo o mesmo depois disso? Uma pergunta incômoda, bem mais preocupante, persistia dentro da minha mente.
Nós íamos mesmo sair de lá depois disso?
Uma pancada muito alta me pôs acordada num instante. Olhei para meu relógio analógico. Eram 3 da manhã. Da outra sala, papai estava jogando coisas e gritando devaneios sem sentido. Não ouvi mamãe em nenhum momento. Prossegui com cuidado conforme abria a porta. Caos subterrâneo foi o que vi. Toda nossa comida estava jogada no chão e misturada com uma grande quantidade de gasolina. A mistura resultante era bem tóxica. Seu cheiro fétido impregnou minha respiração. A televisão que antes mostrava aqueles vídeos agora não mostrava nada além de estática.
Nada disso se comparava com a pior visão de todas.
Meu pai segurava uma pistola contra a cabeça da mamãe. Ele olhava para baixo como um maníaco. Ele gargalhou enquanto puxava o gatilho.  O cérebro dela se espalhou pela parede, o que sobrou caia devagar sobre o chão de concreto frio. Estava indescritivelmente paralisada com medo. Voltando para o canto com medo, assisti enquanto meu pai escrevia aos poucos uma mensagem com sangue. Quando terminou, estava escrito:
ELES ESQUECERAM DA GENTE
Depois que meu pai concluiu isso, ele atirou em si próprio. Ele firmou a arma o máximo possível dentro de sua boca, assim as fagulhas não iriam iniciar um incêndio no lugar todo. Corri para a porta de saída para encontrar outra visão horrível. A alavanca emergencial que abriria a porta estava danificada de uma forma que ficou irreparável. A terceira porta também tinha sido fechada para sempre. Naquele momento, notei que estava tudo acabado.
Estava presa para sempre dentro do abrigo.
Estática explodiu de dentro de um rádio de comunicação. Não sabia que ele existia. Corri rapidamente para ele, encontrando a peça do bocal com seus fios soltos do resto do receptor. Ajustei o botão que girava até ouvir as vozes de dois homens que falavam.
“Dardo 3, alguma resposta do agente Flemingbrook?”
“Negativo, Águia Mãe.”
“Ele estará por perto cedo ou tarde. As conversas acabaram e tenho certeza que ele saiu de lá. Limpe a entrada da 975. Não precisaremos desses abrigos tão cedo.”
Meu coração foi a pique. E toda esperança que eu tinha morreu no momento. Refletindo sobre o assunto, lá fora provavelmente não está infernal nem nada assim. Provavelmente está tudo bem. Ainda assim, aqui estou sentada, destinada a morrer. E vocês sabem qual a parte triste?
Eles não esconderam nossas existências, eles não precisaram.
Eles não nos abandonaram. Eles não desistiram da gente.
Eles simplesmente esqueceram da gente.



Espalhem o medo!

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